Chega de Tabu!

Em entrevista exclusiva para o portal BH Hoje a renomada sexóloga Cida Lopes conta como começou sua carreira, o que despertou seu interesse pelo assunto, responde várias perguntas sobre sexo e aborda temas delicados de uma maneira simples, direta e bem esclarecedora. 

Como é trabalhar com Sexologia? 

O meu interesse foi despertado por uma resposta de uma criança que, na época, tinha apenas 7 anos. Eu era professora e eu fiz uma pesquisa com meus alunos, despretensiosamente perguntei: “se você pudesse escolher o seu sexo, qual seria?’’

E foi então que esse menino levantou a mão e disse que viria como “menina” pois elas recebiam mais carinho, podiam chorar, falavam sobre emoções. Na classe, vários garotos ficaram bravos com ele. Percebendo a reação, eu questionei para um aluno que estava muito bravo, “por que o seu colega não poderia vir como menina?” E ele com todas as letras me respondeu que “era um absurdo o homem querer nascer como menina, pois o homem era muito mais inteligente do  que a mulher”. E afirmou que o homem já nascia inteligente e que a melhor tinha que aprender a ser e que esse processo demorava muito tempo.  A resposta dessa criança de apenas 7 anos despertou em mim a necessidade de trabalhar a educação sexual, cada vez mais cedo e não esperar chegar na adolescência. Pois, ao chegar nessa fase, essas crenças e conceitos já estariam mais enraizadas. E foi ali que eu vi que o tema precisava ser tratado mais cedo para que houvesse flexibilidade na vida da crianças e, consequentemente, um conceito mais realista. Trabalhar com sexualidade é isso, lidar com dúvidas e questões humanas com amor e profissionalismo.

Como você se especializou na área?

Sou graduada em psicologia e atuo como terapeuta sexual, educadora sexual e escritora. Como educadora, lecionei para o ensino fundamental por mais de quinze anos. Durante a prática em sala de aula, convivi com a carência bibliográfica sobre Sexualidade para as crianças desta faixa etária. Por isso, desde 1997, escrevo sobre esse tema em trabalhos de literatura infanto-juvenil.  Hoje, ainda leciono em cursos de Pós – Graduação em Sexologia e também ministro palestras e cursos em congressos, escolas e instituições sobre os temas sexualidade, educação sexual e relações humanas. Vocês podem conhecer mais do meu trabalho no meu site: www.cidalopes.com.br

O Sexo ainda é um Tabu no Brasil?

O sexo é um tabu no Brasil e no mundo inteiro. Em alguns países de uma forma mais leve... Já no Brasil existe uma ditadura muito grande em relação ao que é permitido e proibido para o homem e para a mulher, em relação ao desempenho de cada um. O homem precisa ser ativo, macho, forte e poderoso. A mulher deve ser feminina para ser valorizada. O conceito de feminina, acaba ficando limitado aos conceitos de fragilidade, passividade,  dependência, entre outros. Vejo que os casais ainda falam pouco sobre suas questões pessoais, percebo muito mais um teatro para  “contar vantagem” , falar de performance, ou fazer cobranças, do que um momento para revelarmos nossos segredos mais íntimos.

Por que para algumas pessoas é tão difícil falar sobre o assunto?

Acredito que é pela educação recebida em casa, fruto da cultura  e da sociedade, quem nos impõem limites e da uma visão de que o sexo é uma coisa negativa,  errada, que é algo sujo e que não deve ser falado. Esse conceito acaba dificultando a comunicação e a espontaneidade de tratar esse assunto com naturalidade.

Homens e mulheres lidam com o assunto de forma diferente?

Sim, como já foi falado, cada um tem a suas próprias cobranças. Isso resulta em comportamentos distintos: Existem mulheres, por exemplo, que assumem publicamente em uma roda de bar que “não precisam de sexo e que pra elas não faz falta”, e elas vão achar companhia, outras dizem que “são de fases”, outras que “não conseguem viver sem ” outras “que se depender delas, não vai acontecer nunca” e todas essas mulheres, também  encontrarão companhia.

Já o homem não tem essa liberdade. Não é que não exista homem com falta de desejo, existe. O que ele não tem é espaço para assumir e falar sobre isso. Então ou ele tem que gostar muito de sexo ou ele é tratado como homossexual ou ele tem algum problema.

Existe diferença na forma de tratar o assunto de acordo com a opção sexual? 

A dificuldade não está da orientação sexual da pessoa e sim no tema. Por isso,  acaba pegando todo mundo, casais héteros ou homo afetivos.  Claro, que cada casal tem suas particularidades, mas não tem esse peso para definir que as relações são opostas.

Como o comportamento sexual interfere na vida pessoal?

Interfere em tudo. Quando uma pessoa realmente tem uma dificuldade ou disfunção sexual isso interfere diretamente na autoestima, ela acaba se sentindo menos mulher ou menos homem. Existe um sentimento de impotência, ela pensa que é pior do que as outras pessoas e muitas vezes,  até o aspecto profissional acaba sendo comprometido porque a vida social também fica implicada. É comum ela ter dificuldade de ver um casal namorando, se sente atingida caso escute uma piada, pois acha que todo mundo sabe do seu problema ou da sua dificuldade. É uma situação que vai além da cama, vira parte no nosso dia a dia e em todas as atividades que fazemos.

As questões estéticas como o culto ao corpo interferem nas relações sexuais?  

Sim, principalmente aqui no Brasil que temos o culto do desempenho, do corpo perfeito e as pessoas acabam limitando o seu desejo em função da sua autoimagem. Se ela tem rugas, celulite, cabelo branco, barriga grande, se está acima do peso... é como se não tivesse o direito de expressar  prazer, de receber ou de despertar desejo no outro. Essa ditadura de normalidade em que “todo mundo tem que ser perfeito” é uma visão totalmente irreal e afeta diretamente o exercício da sexualidade no dia a dia da vida de todos nós.  

Quando um casal precisa falar sobre sexo?

Sempre, da mesma maneira como escolhem uma viagem, ou planejam um fim de semana juntos o tema sexualidade deveria fazer parte do repertório dos casais. O casal que fala “precisamos falar sobre sexo”, é por que ainda não falam. Ainda é um tabu para os dois. Quando o assunto é tratado de forma natural, ele deixa de ser “especial” e passa a ser um assunto comum deixando de ser pauta.

O que um casal pode fazer para “apimentar” sua relação na cama? 

No meu último livro “Sexo, solução ou problema” eu faço uma provocação a esse tema: Como você está se sentindo diante de tantas histórias fantásticas de experiências sexuais e performances extraordinárias? Eu ando intrigada e pensando... Como nós, homens e mulheres comuns, independentemente da idade, com todas as nossas inseguranças e dificuldades sexuais, vamos sobreviver e conviver com esse mundo de “êxtase sexual” e prazer permanente.  

Esse mundo fantasioso de sexo ideal, não faz parte do sexo” doméstico”. Nas relações estáveis perdemos o imprevisto, a sensação do novo. Por isso mesmo precisamos alimentar o lado erótico da relação.

Apimentar a relação tem que ser algo permanente, não tem magia, exige investimento.  Não cai do céu! Porém, existe uma diferença entre o que é uma demonstração afetiva e erótica.

O afeto é o carinho, o cuidado. É se sentir e fazer o outro também se sentir especial. Mas, isso não desperta desejo, o que desperta desejo é o erótico. Ele é diferente e tem que estar vivo através de um beijo de língua, de uma brincadeira, em uma mensagem no dia a dia, de um toque diferente. Isso preserva o lugar do homem e da mulher na relação e é isso que vai despertar também o desejo .

Quando relação sexual pode uma ser considerada tóxica?

Quando ela faz mal e traz prejuízo físico e ou emocional. Eu defendo que em uma “brincadeira” quando um só está usufruindo, deixa de ser brincadeira. Então, se vai brincar, os dois tem que sair dela mais felizes do que entraram. É um acordo, ninguém deve ceder numa relação, por mais que tenhamos a cultura de “sermos bonzinhos”. Ninguém deve fazer favor para o outro. Precisamos saber qual é o nosso desejo   para demonstrá-lo com clareza. Somente assim, saberemos os nossos limites e definiremos o que nos faz bem ou mal.